CORA CORALINA
OPINIãO
O amor na velhice
Por:
Olympia Salete Rodrigues
A
Cora Coralina que todos conhecemos: aquela mulher que se
descobriu poeta já bem velhinha, depois de uma vida de
luta, inclusive com um casamento desastroso que ela
carregou corajosamente e, só após a morte do marido,
conseguiu se ver em sua enorme e verdadeira dimensão, como
mulher e como poeta.
Escolhi este poema para ilustrar este Artigo por dois
motivos: o primeiro por pensar exatamente como ela ao
entregar o amor ao amado. O amor tem que ser entregue
SEMPRE, mesmo que não seja aceito. Porque o amor só se
torna concreto se chega às mãos do ser amado. E, se não
entregamos o amor que sentimos, esse amor fica maculado e
se deforma, pois foi sonegado, o que, em matéria de amor, é
crime sem perdão. O segundo motivo de minha escolha é
colocar para todos que me lêem reflexões sobre o amor na
velhice, um direito de todos nem sempre respeitado.
Uso sempre a palavra velho (ou velha)... Não gosto, quem me
lê já sabe, de idoso ou terceira idade... Ai, isso até me
dói.... rs..., pela tentativa de falsidade que encerra. A
palavra velho implica numa carga de sabedoria e experiência
que nos dá a vida à medida em que vivemos. E dessa carga
também quero falar.
Eu, pessoalmente, recebo uma série de observações que
poderiam até parecer desagradáveis e indelicadas. Só que
não as sinto assim porque as acolho com serenidade. Por
falar eu de amor, e por amar de verdade, muita gente
entende que sou atrevida, ridícula, inconseqüente etc.
etc.... E, o estranho disso é que não ouço tais críticas de
pessoas jovens, mas de pessoas que estão caminhando para o
auge da maturidade cronológica e atribuem a mim os
fantasmas da própria velhice que se aproxima. Os jovens, em
geral, admiram minha coragem de amar e declarar meu amor.
Para eles, quase sempre, a idade fica em segundo plano, não
influi na relação ou no diálogo. Mais ainda, eles até se
declaram egoístas, querendo aprender e sorver a sabedoria
do velho com quem se relacionam como amores ou como amigos.
Daí eu concluir que aqueles que tentam anular o direito de
amar dos velhos, estão apenas refletindo neles seus
próprios medos, sua incapacidade de amadurecer o amor na
medida em que amadurecem em idade.
É simples encarar a equação. Ninguém, em seu perfeito
juízo, negaria ao velho os direitos todos que a vida lhe
dá: comer, dormir, divertir-se, trabalhar, enfim, exercer
plena e conscientemente a vida que pulsa. Por que
negar-lhes o direito ao amor e ao sexo? Se isso fosse
normal, certamente esses desejos legítimos e saudáveis se
arrefeceriam com o passar do tempo. Se não arrefecem é
porque a natureza sábia reconhece sua validade. E, pelo que
constatamos, a libido não tem mesmo idade... Ela pede e
grita no velho como pedia e gritava no jovem que ele foi. E
como aceitar uma restrição que venha de fora? Como ceder à
pressão e se enclausurar, renunciar a viver esse lado
exultante do eu?
Pensemos um pouco em nossos antepassados: pais, avós,
familiares que se entregaram a um marasmo na velhice por
não terem força para lutar contra preconceitos terríveis e
tão propalados que eles próprios os assumiam. O homem era
até mais prejudicado, pois vivia perseguido pela
"fatalidade" da impotência "obrigatória" depois de certa
idade. E a grande maioria ficava impotente mesmo, pelo
poder da sugestão. Os progressos da medicina vieram em seu
socorro e hoje o problema, se aparece, é contornável. As
mulheres não eram estigmatizadas por essa terrível
previsão, mas o eram pelos preconceitos e se fechavam em
conchas a partir de certa idade, acreditavam que a
menopausa as tornaria menos fêmeas e menos desejáveis. E
está fechado o círculo: casais velhos, frustrados e
infelizes, apenas sentados indefesos na sala de espera da
morte. E assim vimos ou temos notícias de tantos entes
queridos que definharam depois de nos darem a vida, a
educação, a sua sabedoria, para que seguíssemos felizes os
nossos caminhos. E eu pergunto: isso é justo?
Convoco os ainda jovens para que abram suas mentes e
preparem seu futuro de velhos. Só assim chegarão à velhice
com a dignidade e a sabedoria que torna os velhos
realistas, felizes e seguros. Seus preconceitos de hoje, se
existem, os tornarão certamente velhos amargos, vítimas de
si mesmos, das crenças errôneas que acumularam e deixaram
que se cristalizassem.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para
exercerem seus direitos, esclarecer aos jovens suas
posições e mostrar-lhes as verdades que viveram e que os
tornaram melhores. Entreguemos o amor ao ser amado, sem
vergonha e sem medo, e vivamos esse amor intensa e
completamente, na alma e no corpo. Se disserem que idade
não é documento..., mostremos que é sim, documento
importante porque repleto de experiência e de aprendizagens
muitas vezes à custa de sofrimento. Somos todos lindos,
independente de aparência física, porque é linda nossa alma
e linda a nossa coragem de amar! Portanto, não nos
enterremos antes da hora. Vivamos, vivamos! No momento
certo, outros nos enterrarão, gratos pelas lições que lhes
deixamos.
Cora Coralina escreveu esse poema quando era muito mais
velha que eu. Tinha o rosto enrugado, o corpo alquebrado e
maltratado pela vida, mas tinha a alma lisa e pura, apesar
das pauladas que certamente levou, e tinha, ao escrever, a
certeza de sua grandeza como ser humano, um coração que
pulsava no ritmo da própria idade. Por isso admitia que o
amado a aceitasse ou não, interessava apenas torná-lo feliz
por saber-se amado. Que o verdadeiro amor só quer dar!
E termino louvando essa brasileira que soube morrer amando.
Exatamente como eu quero morrer, orgulhosa e valente...
Olympia Salete Rodrigues (Colaboradora do site
paralerepensar -Poetisa e escritora)