CONTO DE NATAL
OS POBRES TAMBÉM GOSTAM DE DAR
Estava uma manh찾 radiosa e ensolarada:
As gotículas de orvalho que se desprendiam das parcas folhas das árvores que os ventos outonais haviam sacudido, bem como as que lentamente pendiam dos beirais, mais pareciam minúsculos arcos íris, emoldurados por pérolas, devido á profusa luminosidade que os raios do sol fulgente reflectiam.
Num ou noutro recanto mais abrigado da fria aragem, os habitantes mais idosos e humildes daquela Vila Ribatejana, procuravam sentar-se o mais comodamente possível, no intuito de desfrutar o pálido calor daquele sol de Inverno. Por vezes, conversavam com algum vizinho ou transeunte, ou ent찾o, quedavam-se no seu sil챗ncio solitário, recordando as boas ou más quadras natalícias que haviam ficado para trás.
Em casa da D. Mariazinha, ia uma grande azáfama na confecção do Presépio. O marido, as duas filhas adoptivas, “crianças ainda” e até a empregada, haviam todos sido requisitados a colaborar.
- Ó mamã, o burrinho está bem aqui?
- Chega-o mais para trás, sen찾o come as palhinhas da manjedoira e o Menino Jesus fica com frio. Chega a vaquinha mais para a frente para O aquecer com o bafo.
- Onde ponho os tr챗s reis? - Inquiriu o marido.
- Olha que pergunta! A saída dos respectivos castelos - retrucou a filha mais velha.
- Toma lá e embrulha - gracejou a esposa.
Estavam t찾o absortos no labor, que as primeiras pancadas dadas na porta tiveram que ser repetidas com mais for챌a. A empregada foi abrir. Deparou-se-lhe um rapaz que já ultrapassara os vinte anos, sobra챌ando um enorme feixe de ramos de azevinho, recheados de vagas vermelhas que mais lembravam puríssimos rubis.
Era o Quim dos mandados; epíteto porque era conhecido o jovem que uma deficiência nas costas impedia de trabalhar no campo, única aptência das famílias humildes da pequena Vila. Como não gostava de estender a mão à caridade, andava frequentemente pelas casas mais abastadas, como era o caso, procurando se havia recados ou pequenos serviços que ele pudesse fazer, na mira de ganhar alguns escudos para ajudar a numerosa família, ou algo que lhe aconchegasse o estômago.
É que nos princípios da década de sessenta, a vida dos pobres não era nada fácil.
A D. Mariazinha que tinha um cora챌찾o de oiro, quando n찾o havia servi챌os ou recados para o Quim fazer, inventava-os, para que as suas dádivas quase diárias, n찾o tivessem o cariz de esmolas. Ao ver o Quim carregado com o azevinho que ela n찾o pedira mas que vinha mesmo a calhar para embelezar o Presépio, pegou numa nota de 20$00 para lhe dar assim que ele depositou o azevinho no ch찾o da cozinha.
O Quim pegou na nota, que na época equivalia a um dia de salário de um campon챗s, poisou-a em cima da mesa, e acompanhando o gesto com um olhar magoado, disse:
- Os pobres também gostam de dar minha senhora - Voltou lentamente as costas, e foi-se embora escondendo uma teimosa lágrima ofendida.
- Toma lá e embrulha. - Disse o marido que n찾o perdera a oportunidade de retribuir o piropo anterior. Depois acrescentou, dirigindo-se mais para as filhas, testemunhas mudas do episódio:
-N찾o esque챌am nunca esta li챌찾o. Os gestos nobres n찾o t챗m pre챌o. S찾o como o amor, que só com amor se paga.
Um Original de
Graziela Vieira
Este Conto de Natal ganhou um primeiro prémio Num concurso de Um Diário de Coimbra há pouco tempo.