( CONTOS DE NATAL )
Dテ刈LHE UMA PALMADINHA
Fazendo jus à quadra natalícia, o dia 22/12/1963, amanhecera nublado e frio.
0 sol, teimava em se mostrar, enviando esporádicos raios luzentes, que emolduravam a Creche e o Preventório do ent찾o Hospital Rovisco Pais.
A menina Isabelinha, como carinhosamente era chamada, como chefe da Creche, fora convocada para uma reuni찾o dos mais altos responsáveis por estas unidades, e que ia ter lugar no sal찾o de Congressos do Preventório, a poucos metros da Creche.
0 Administrador do citado Hospital, fizera a convocatória para as catorze horas, o que aliás fazia regularmente, para se inteirar e colmatar as necessidades básicas das mais de cinquenta crian챌as residentes na Creche e Preventório respectivamente.
Era a hora da sesta dos bebés da Creche, cujas idades, iam dos dois meses aos três anos, transitando depois para o Preventório até à idade escolar.
Antes de se dirigir à reunião, a Isabelinha chamou a empregada Lelé (nome dado pelas crianças) e recomendou lhe:
Os bebés, estão todos a dormir; ficas a substituir me enquanto vou à reunião. Toma muita atenção a tudo e se surgir algum problema, vais de imediato chamar me, mesmo que tenhas que interromper a reunião.
A bondosa Isabelinha, que já ultrapassara os quarenta anos, era solteira e dedicava se de alma e coração aqueles pequeninos seres separados dos pais, quando eles (pais), contraíam a terrível doença de Hansem, vulgarmente chamada Lepra.
A Lélé, (20 anos) ficou muito contente por mais uma vez ser a escolhida para substituir a Chefe com a responsabilidade que isso acarretava, durante uma ou duas horas que era normalmente o tempo de duração das reuniões. Verificava se as portas e janelas estavam bem fechadas por causa das correntes de ar. Debruçava se sobre esta ou aquela minúscula caminha aconchegando um ou outro cobertor; enfim! Estava atenta aos cerca de vinte bebés da grande camarata. De súbito, o telefone tocou no gabinete da Chefe. Do outro lado, uma voz ansiosa perguntou:
- É a menina Isabelinha?
N찾o, n찾o; sou a Lélé.
Ah! Conheço muito bem. Daqui é a mãe do Pedrinho. Pode dizer me como está ele?
Está muito bem; está a dormir!
à Lélé, faça me um favor; traga mo ao telefone para eu ouvir a voz dele. Só que o oiça respirar já fico contente. A Lélé ficou indecisa entre ir acordar o bebé de oito meses, ou não atender o apelo da jovem mãe internada no Hospital de onde não podia sair. à certo, que havia visitas periódicas das crianças ao Hospital. Mas que visitas, meu Deus! Não era permitido o contacto físico entre pais e filhos. Só se podiam ver, através de um vidro que dividia em duas a sala das visitas. As empregadas, pegavam as mais pequeninas ao colo, aproximando as o mais possível do vidro separador para que se pudessem contemplar mutuamente. Não raramente, se encontrava uma mãe confusa, a perguntar por gestos, qual era o bebé dela. 0 que parece inadmissível, tinha a sua razão de ser. à que os bebés, eram lhes retirados logo a seguir ao parto para evitar o risco de contágio. Estes ficavam de quarentena em local apropriado, e só depois de todas as análises indicativas de que não tinham contraído a doença, transitavam para a Creche que ficava mais ou menos a 2km do Hospital, entre a Tocha e Cantanhede. Era comovente e confrangedor ver aquelas mães, e pais, fazerem os mais diversos gestos numa tentativa, por vezes infrutífera, de captar a atenção dos seus entes mais queridos. Alguns, não conseguiam mais que um fugaz e desinteressado olhar que desviavam para quem os tinha ao colo, ou para algum outro objecto que lhes despertasse mais a atenção. A decepção e tristeza estampada naqueles rostos sofredores eram pungentes.
Acabada a hora das visitas, aqueles familiares entristecidos, comprimiam-se de enュcontro ao grosso vidro separador, acenando com as mテ」os (algumas quase sem dedos) atiュrando beijos de longe misturados com lテ。grimas impotentes, ficando a aguardar ansiosaュmente a prテウxima visita.
Em abono da verdade, deve dizer se que nada, mas mesmo nada, faltava àquelas crianças. Tinham a mais completa alimentação, vestuário adequado, cuidados médicos permanentes e todo o conforto que em alguns casos, nem os próprios pais lhes poderiam proporcionar numa vida normal. Além disso, tinham ainda o carinho de mais de uma dezena de empregadas, (ali só trabalhavam mulheres) que cuidavam delas como se fossem seus filhos.
Faltava lhes no entanto o amor sem limites dos pais biológicos, dos quais só começavam a aperceber se a partir dos quatro ou cinco anos.
Tudo isto passou pela mente da Lélé como se de um filme se tratasse, enquanto a voz da D. Joana suplicava através do telefone.
Vá lá! Vá buscar o meu Pedrinho!
Está bem, eu vou, aguarde só um bocadinho.
Depois de embrulhar bem o bébé num cobertor, levou o para junto do telefone dizendo
Já aqui está, mas ele continua a dormir e assim não pode ouvi lo.
Abane o com força para ele acordar.
O Pedrinho acordou por fim, e come챌ou a sorrir para a Lélé.
Ó D. Joana! Ele está a sorrir!
Pois sim, mas eu n찾o o vejo nem o oi챌o.
Ent찾o n찾o sei o que mais posso fazer.
A D. Joana, calou-se por momentos; sufocou um solu챌o, ainda assim audível através do telefone, e disse:
Dê lhe uma palmadinha. Ele chora, e eu fico feliz de o ouvir.
Por amor de Deus n찾o me pe챌a isso! N찾o Tenho coragem! N찾o sou capaz!
Não é preciso ser com muita força; é só para ele chorar um bocadinho. A parteira quando ele nasceu, também lhe deu uma, para ele chorar. Faça o por mim! Ouvir o meu filho, ainda que seja a chorar, é o melhor presente de Natal que eu podia receber.
A Lélé, come챌ou a dar palmadinhas em cima do cobertor que envolvia o bebé, mas ele cada vez sorria mais sem emitir qualquer som.
Olhe D. Joana; não consigo faze lo chorar, cada vez sorri mais.
Ai Lテゥlテゥ! Como eu a invejo nesta hora! Esses sorrisos, dava eu a minha pobre viュda para os poder contemplar.
Os sorrisos do bebé e as súplicas da mãe, eram dois pesos equilibrados, e a Lé1é hesitava na escolha do prato da balança. Num assomo de coragem da qual não se julgara capaz, retirou o cobertor e assentou uma palmada no rabito rosado do Pedrinho que desatou a chorar. A D. Joana depois de ouvir o filho, apressou se a dizer.
Dê lhe beijinhos no sítio.
Não era preciso o conselho, muito antes de ela acabar a frase, já o Pedrinho sorria de novo com os afagos da Lé1é enquanto o embrulhava novamente no cobertor e o aconchegava de encontro ao peito, já arrependida de o ter feito chorar. Enquanto a D. Joana se despedia e se desfazia em agradecimentos por poder ouvir a voz do seu menino, a Lé1é com as lágrimas rolando pela face, apressou se a levar o bebé para a caminha. Tinha acabado de o deitar, quando entrou a Isabelinha perguntando se estava tudo bem
Sim! Só o Pedrinho é que acordou antes da hora, mentiu a Lélé. E a reuni찾o?
Venho muito contente; dizia ela enquanto retomava os seus afazeres. Sabes aquele cercado de rede que fizeram atrás do Preventório? à para fazer uma surpresa às nossas crianças no dia de Natal. Quando acordarem, vão lá estar galinhas, patos, perus, coelhos, porquinhos da índia e alguns pássaros. O senhor Administrador, disse que foi uma ordem do Sr. Dr. Bissaya Barreto para que as crianças tomem conhecimento directo com os animais que só conhecem através dos livros. Além disso, cada uma pode escolher e por um nome ao seu animal preferido. Acho que vão delirar com a surpresa, não te parece?
Não obteve resposta. A Lélé já se tinha refugiado na Capela com a esperança que Deus lhe respondesse se tinha procedido mal ou bem. Através das lágrimas, pareceu lhe que a Imagem de Cristo lhe dissera para perguntar a resposta no seu coração. Mas a almejada resposta não chegou nunca. Nem os três netinhos pequenos que agora tem, lhe dão a resposta .
E, o leitor, conseguirá dár lha?
Um Original de
Graziela Vieira