Por agora o melhor é esquecer
Por Allistar Sparks*
É melhor não esperar pela resolução, tão cedo, da crise no Zimbabwe. Graças à timidez da União Africana (UA) e da Comunidade do Desenvolvimento da África Austral (SADC), nunca houve pressão suficiente para obrigar Robert Mugabe a negociar uma fórmula aceitável de partilha do poder.
Portanto a crise continuará por muitos meses, à medida que o colapso económico conduz à fome em massa, e centenas de milhar de refugiados desesperados procuram abrigo nos países vizinhos. Um grande novo êxodo já começou.
Assim, é de esperar que o Presidente Thabo Mbeki, cuja tímida mediação é o principal responsável por esta situação alarmante, tenha em mente um plano sobre como alojar toda esta massa humana, de modo a que não voltemos a testemunhar a violência xenófoba, que tantos danos provocou à nossa já precária imagem internacional.
O que se esperava da Cimeira da Uni찾o Africana no Egipto era uma resolu챌찾o com base nos relatórios das miss천es de observadores da organiza챌찾o, da SADC e do Parlamento Africano, declarando nula a segunda volta das elei챌천es presidenciais, e, como tal, ilegítimo o regime de Mugabe.
Para além disso, deveria ter procurado encontrar um painel de mediadores de alto calibre, incluindo pessoas como o antigo Secretário-Geral das Na챌천es Unidas, Kofi Annan, para facilitar as negocia챌천es visando a forma챌찾o de um comité executivo de transi챌찾o que inclua todas as partes interessadas, apoiado por uma for챌a africana de manuten챌찾o da paz, que garantirá a gest찾o do país enquanto se organiza uma nova segunda volta, a ter lugar sob os auspícios das Na챌천es Unidas.
Informa챌천es indicam que o Presidente da Z창mbia, Levy Mwanawasa, tinha preparado uma proposta nesse sentido. Como Presidente da SADC, Mwanawasa tem o poder para tal, e acredita-se que ele já tinha conseguido o apoio provisório de vários países, incluindo o Botswana, Maurícias, Quénia, Tanz창nia e Rwanda. Esperava-se que, agindo em uníssono, estes países poderiam ter dado mais ímpeto sobre o assunto durante a cimeira.
Mas o destino interveio, e Mwanawasa sofreu uma trombose. Sem ele, a iniciativa fracassou. Somente o Botswana, sob a lideran챌a do seu inconformado presidente, Ian Khama, teve a coragem de falar de forma aberta contra a farsa eleitoral de Mugabe. Os outros baixaram a cabe챌a, e Mbeki conseguiu fazer passar o seu apelo para a forma챌찾o de um governo de unidade nacional. Esse empreendimento, acredito, está condenado ao fracasso devido a tr챗s raz천es:
1 - Mugabe nunca irá aceitar fazer parte de um governo de unidade do qual ele não é o líder — e certamente que nunca num liderado por Morgan Tsvangirai;
2 - Tsvangirai nunca irá aceitar estar num governo de unidade liderado por Mugabe, a quem ele venceu nas eleições do dia 29 de Março. Ele não é suficientemente maluco para ser tratado com a mesma humilhação com que foi tratado o antigo líder da Zapu, Joshua Nkomo, quando, nos anos 80, Mugabe o obrigou a capitular e submeter-se à Zanu. Ele também sabe que o seu partido iria rejeitá-lo, se aceitasse esse tipo de compromisso; e
3 - N찾o haverá assist챗ncia económica de qualquer uma das pot챗ncias ocidentais ou institui챌천es financeiras internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, para o Zimbabwe enquanto Mugabe for Presidente. E sem essa assist챗ncia nunca haverá recupera챌찾o económica no Zimbabwe.
Portanto o impasse vai continuar, do mesmo modo que continuará o colapso económico. Há tr챗s semanas a taxa de infla챌찾o no Zimbabwe era estimada em 1 milh찾o por cento. Na semana passada estava nos 4 milh천es. Na próxima semana estará nos 8 milh천es por cento. Na semana passada o dólar zimbabweano estava a 8 trilh천es do rand. As prateleiras nos supermercados est찾o vazias. As empresas est찾o a fechar. O maior produtor de frangos no país fechou há duas semanas, porque n찾o consegue obter ra챌찾o para os seus frangos.
Portanto a situa챌찾o da fome está a agravar-se.
Mas mesmo assim, a elite continua a viver à francesa. Eles têm o acesso exclusivo às poucas divisas que ainda continuam a entrar no país, a uma taxa de câmbio absurdamente favorável. O Banco Central é o seu mealheiro privado. Eles continuam a construir grandes mansões e a comprar carros desportivos de topo de gama.
Trata-se obviamente de uma situação insustentável, mas a questão continua a ser: “Até quando?”
A resposta pode ser um enigma. A elite do poder está obviamente relutante em abandonar a sua vida de luxo. E pior ainda, o seu receio de responsabilização criminal por crimes contra a humanidade durante os massacres dos anos 80 nas regiões de Matabeleland e Midlands — agravados agora pelas atrocidades que cometeram durante a campanha de brutalidade que antecedeu a segunda volta.
Mesmo assim, uma popula챌찾o a sofrer de fome aguda e a viver numa situa챌찾o de priva챌찾o quase absoluta, poucas vezes foi conhecida pela sua capacidade de se revoltar. As vidas dessas pessoas est찾o ocupadas com a luta pela sobreviv챗ncia do dia-a-dia. Elas tendem a submeter-se politicamente.
Foi pensando na possibilidade da ocorrência no Zimbabwe dessa condição de uma elite dominante, de uma classe média demolida e de uma classe camponesa passiva, o que me levou a sugerir, há três anos, que Mugabe estava a seguir o caminho de “Pol Pot em câmara lenta”. Bem, os objectivos do tirano do Cambodja já atingiram a maturidade no Zimbabwe.
Claro que Pol Pot chegou a um fim que n찾o esperava. Foi derrubado e encarcerado pelos outros líderes do seu partido dos Khmer Rouge, e morreu deitado na sua cama, horas depois de tomar conhecimento de que os seus antigos camaradas haviam decidido entregá-lo a um tribunal internacional.
N찾o estou aqui a sugerir que a história se repita, mas é importante notar que há divis천es cada vez mais crescentes dentro da Zanu-PF e entre os comandantes militares dentro do poderoso Comando Operacional Conjunto (JOC).
Um artigo publicado na edição do dia 5 de Julho do Washington Post — que corroborava informações que já tinham chegado ao meu conhecimento através de fontes diplomáticas — dá informações detalhadas de uma reunião que Mugabe teve com os líderes do JOC no dia que se seguiu às eleições de 29 de Março.
“Num tom de voz que no início mal se ouvia,” dizia o autor do artigo, Craig Timberg, citando dois participantes no encontro, Mugabe disse aos líderes do JOC de que havia perdido as eleições presidenciais e que tinha a intenção de anunciar em directo pela televisão no dia seguinte a decisão de abandonar o poder.
“Mas o comandante das Forças Armadas do Zimbabwe, o General Constantine Chiwenga, respondeu que a escolha não era de Mugabe sozinho”, acrescenta o artigo de Timberg. Chiwenga teria acrescentado ainda que ou os militares poderiam tomar controlo do país para manter Mugabe no poder, ou que ele poderia concorrer a uma segunda volta, enquanto os comandantes militares supervisionavam uma campanha de terror contra a oposição.
Assim nasceu a estratégia com o nome de código CIBD: Coer챌찾o, Intimida챌찾o, Espancamentos, Dispers찾o.
Timberg acrescenta ainda que, numa outra reuni찾o do bureau politico da Zanu-PF, a vice-presidente Joyce Mujuru advertiu que a estratégia de viol챗ncia poderia ser um tiro a sair pela culatra. Mas ela foi ignorada por Chiwenga e pelo chefe do JOC, Emmerson Mnangagwa, largamente visto como sendo o sucessor de Mugabe.
Tudo isto, acrescido do facto de que alguns participantes na reuni찾o estavam t찾o contrariados ao ponto de passarem estas informa챌천es confidenciais a um importante jornal estrangeiro, pode constituir prova da exist챗ncia de dissid챗ncias no cora챌찾o da estrutura do poder.
Estas divisões irão certamente continuar a alargar-se à medida que vai piorando a crise económica e até o mealheiro se vai esvaziando. O descalabro poderá surgir quando o regime de Mugabe — que todos sabemos que é de facto uma junta — já não tiver mais dinheiro para continuar a pagar aos seus soldados.
Mas isso ainda se encontra a uma certa dist창ncia. Por enquanto, os refugiados ainda est찾o a caminho.
In Business Day, Joanesburgo.
*Antigo Editor do diário Rand Daily Mail e um veterano analista político sul-africano.
SAVANA - 18.07.2008