Roma vai ser inundada de fiéis, que assistirão à beatificação do antigo Papa e à apresentação da sua relíquia - um frasco com sangue
A poucos dias da morte do polaco Karol Wojtyla, o Hospital Bambino Gesú, em Roma, recolheu sangue do então Papa para o centro de transfusões, guardando-o em quatro recipientes: dois deles foram entregues ao secretário particular de João Paulo II, cardeal Stanislaw Dziwisz; os outros dois ficaram no hospital. Dias depois da recolha de sangue, a 2 de Abril de 2005, o Papa polaco sucumbia à doença de Parkinson. Foi essa doença que abriu caminho à sua beatificação: a confirmação de que João Paulo II curou o parkinson de Marie Simon-Pierre, freira francesa, levou à decisão do Vaticano. A cerimónia vai levar, a partir de hoje, e até à próxima segunda-feira, milhares de fiéis católicos a Roma, ansiosos pelo evento e curiosos de visitar o novo objecto de culto para milhões de católicos fervorosos espalhados pelo mundo: um relicário que contém uma ampola com o sangue de Wojtyla.
"Os católicos têm uma tradição muito antiga de veneração. No Antigo Testamento, e ainda hoje, os patriarcas são visitados por milhares de judeus na Terra Santa, Israel. No catolicismo, a adoração de relíquias surge com os mártires cristãos dos primeiros séculos - uma maneira própria, especial, encontrada para os honrar", explica ao i o teólogo Joaquim Carreira das Neves. Na história da Igreja Católica, as relíquias, objectos preservados com o propósito de ser venerados religiosamente, assumem várias formas. No caso de João Paulo II, admite Carreira das Neves, o sangue torna-se ainda mais simbólico. "Essa escolha é parecida com o pedaço da língua de Santo António, relíquia que está guardada em Pádua. O sangue simboliza a alma, a virtude, o corpo do homem ou mulher santos", explica o teólogo. "Ao contrário dos ortodoxos, que não adoram imagens, os latinos são mais materialistas, dão mais importância ao corpo. Um homem santo é um homem de corpo, portanto tudo o que lhe pertenceu pode tornar-se relíquia."
E assim é. Ao relicário criado para guardar o sangue de João Paulo II - que será inaugurado no domingo, 1 de Maio, assim que o Papa for oficialmente beatificado numa cerimónia na Basílica de São Pedro - junta-se o cinto perfurado por uma bala e manchado de sangue que João Paulo II usava quando foi alvo do atentado de 1981. Ainda que não seja oficialmente uma relíquia, os polacos católicos já estão a venerá-lo no santuário mariano de Jasna Gora. "Formalmente, é preciso esperar até à beatificação para que o cinto seja considerado uma relíquia", explicou à AFP o padre Jan Golonka. "Mas para os peregrinos trata-se já de um objecto de culto. Tivemos muita sorte porque foi o próprio João Paulo II que no-lo ofereceu. Outros que quiseram ter as suas relíquias tiveram de passar pelo Vaticano, através de um procedimento muito complicado."
Antes de ser depositado no santuário polaco, o cinto esteve exposto em Fátima entre 1982 e 1983. Agora, uma outra ampola com o sangue de Karol Wojtyla será oferecida aos polacos pelo cardeal Stanislaw Dziwisz, arcebispo de Cracóvia e ex-secretário do Papa, que guardou parte do sangue recolhido para si.
Para os católicos polacos, a cerimónia marca a confirmação da importância do seu papado para o país. Como explicou ao i Juan Laboa Gallego, teólogo e autor do livro "História dos Papas", "a Polónia ganhou muito com Wojtyla. Era um país comunista que, com um papa polaco, se tornou um país especial. Quando o Papa foi à Polónia, um ano depois de ser investido, o governo não o queria receber. Mas o povo mostrou que estava com ele, ameaçou fazer uma revolução e o governo acabou por ceder".
Na manhã do próximo domingo, o único Papa da história da Igreja Católica oriundo de um país comunista passa a beato. Se um outro milagre for entretanto confirmado pelo Vaticano, de beato passará a santo.
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