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HISTORIA: Homero e a busca da virtude
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De: vylma (Mensaje original) |
Enviado: 17/08/2009 14:04 |
Homero e a busca da virtude
É muito citado entre os estudiosos da ética dos gregos,
o registro feito por Homero do testemunho do velho Nestor, o único
idoso e sábio que acompanha os aqueus no sítio que moviam à cidade de
Tróia, (Canto XI da Ilíada), relatando um encontro que ele
assistira um tanto antes da guerra, no palácio do rei Peleu, o pai de
Aquiles. Na cerimônia em que o filho apresentava seus respeitos para ir
acompanhar Agamêmnon e Menelau na missão de resgatar Helena das mãos
dos troianos, o pai aconselhou-o "a ser sempre o melhor ( aristeuein) e estar acima dos demais". Que o jovem buscasse através de façanhas inauditas, vir poder exercer a sua virtude ( areté).
Galgar algo que fosse merecedor do reconhecimento dos seus pares para,
com isso, ter assento no reino dos heróis imortais, aqueles que jamais
saíam da lembrança dos homens.
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O herói grego (esculpido em marfim)
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Aquela exortação do pai orgulhoso a um filho que parte
para a guerra continha a essência dos objetivos de um nobre, de um
fidalgo: devotar-se na busca da excelência, sobrelevar-se, tornar-se
alguém memorável. Todo o Código do Cavaleiro que por séculos iria
orientar a aristocracia helênica baseava-se pois apenas nisso: a
obrigação de tentar ser alguém extraordinário, inesquecível, cuja fama
correria o mundo. Nada mais podia vir a interessar um autêntico
guerreiro, que para tanto devia ser provido de thymos, o nimo,
impulso que dará início a sua legenda. Tal como um tablado serve para
um ator expor seu histrionismo, o campo de batalha serve como um amplo
teatro onde, aos olhos dos demais valentes, ele demonstra suas
habilidades e virtudes excepcionais; corajoso na refrega, magnnimo na
vitória. O teste definitivo se dava em meio aos gritos lancinantes dos
feridos, ao cheiro forte do sangue derramado, do relinchar selvagem dos
corcéis, da gritaria geral de fúria, de horror ou de êxtase da
soldadesca em meio ao Campo de Marte. O confronto singular era, por
assim dizer, o exercício obrigatório que ele devia cumprir na conquista
da areté. Viver é Combater!
Ressalte-se que a pugna
somente merecerá o registro, só ficará na história e no canto do
rapsodo, se ela se der entre os da mesma estirpe: um nobre de linhagem,
de sangue aristocrático. É entre leões que se dá a embate. Só um deles
merecerá os louros sagrados da vitória. Nenhum valor lhes seria
acrescentado à fama enfiar uma lança num peito plebeu, gastar o fio da
lmina num infante qualquer, num anônimo que ninguém sabe de onde veio.
Entre os tantos encontros na arena relatados por Homero ao longo da
Ilíada (os que envolvem morte e ferimentos são mais de 140 registros,
descritos um a um pelo gênio poético dele), merece a atenção o de
Glauco (um jovem guerreiro lício.filho de Anfilioques, que lutava do
lado troiano) com o enfurecido Diomedes (filho de Tideo, um espadachim
terrível que veio junto com os gregos, e que além da ferocidade natural
era protegido pela deusa Atena). Um pouco antes de chocarem suas
carruagens, Glauco responde à indagação do rival sobre sua linhagem:
expõe então ao inimigo em detalhes de como ele descendia de casa
ilustre, como corria sangue puro em suas veias, herdado do sábio
Belerofonte, o quanto ele se qualificava para aquele duelo mortal. Um
bravo mais do que merecedor de estar ali na liça provocando o famoso
Diomedes. (*)
(*) ...se queres ser bem informado acerca do meu
nascimento, há uma cidade, Efira, num recanto de Argos, onde se criam
cavalos, e ali foi a morada de Sísifo.....Hipoloco foi meu pai.
Mandou-me a Tróia e recomendou-me muitas vezes que me destacasse e
sobrepujasse os demais, e não envergonhasse a raça do meu pai, a mais
valente em Efira e na vasta Lícia. Desta raça e deste sangue eu me
orgulho de ser."(Diomedes então, reconhecendo que fora amigo daquela
família, confraternizando com Glauco, propõe que eles apertem as mãos e
façam uma trégua entre eles)[Canto VI da Ilíada].
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De: vylma |
Enviado: 17/08/2009 14:05 |
O homem excelente e o homem vulgar
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Diomedes fere Enéas (Canto V da Ilíada)
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A busca da areté, é portanto, um atributo
exclusivo do homem de valor, do que se destaca e ascende entre tantos
outros. Na ética guerreira de Homero não se cogitava que nascidos de
ventre ordinário pudessem almejar tal prêmio. Ao de baixa origem era
reservado um destino anônimo de um figurante sem brilho. Quando a morte
o apanhava em meio ao tumulto da batalha não havia dor nem luto, era um
simples ninguém que jamais seria incluído no Livro dos Heróis. Tudo era
diferente quando um guerreiro invulgar, um notável reconhecido por
todos, era abatido. Por vezes, até o combate cessava em sinal de
sincero respeito frente à triste notícia de tamanha perda. Aquiles, em
homenagem póstuma a Pátroclo, seu companheiro de aventuras,
desaparecido do mundo dos vivos por obra do gládio de Heitor, príncipe
de Tróia, decide honrá-lo na cerimônia final de cremação do corpo com
jogos e disputas viris. Distribui entre os competidores vencedores,
parte considerável do seu patrimônio: "caldeiras, trípodes, cavalos,
mulas, bois, belas mulheres, armas e talentos de ouro" (Canto XXIII –
Os funerais de Pátroclo).
Alcançar a areté, a virtude que
irá imortalizar o guerreiro, não é pois um apanágio de todos eles. O
verdadeiro opositor do demandante não é nem nunca foi o homem comum (demiurgói),
mas sim um outro seu igual, nobre como ele. Ainda que pertençam a uma
casta especial, tida como a dos melhores homens (aristói), somente uns
poucos se qualificarão. Heitor, em seus derradeiros momentos, ao ver
que a morte lhe chegava, disse: "Agora, meu destino encontrou-me. Que
eu não pereça docilmente, sem bravura e sem glória, mas praticando um
grande feito para os ouvidos das gerações que hão de vir" (Canto XXII,
304-5).
Nem o escravo nem aquele que algum dia foi homem de
origem ilustre mas tornou-se escravo (pois os deuses removem dele o que
lhe restara da areté), poderá sequer sonhar com tal aspiração.
Esses pobres estão condenados ao esquecimento. A vida deles foi-se como
uma folha ao vento, sem deixar saudades ou qualquer outra lembrança. É
frente aos seus pares que o herói irá colher o "reconhecimento" e o
"prestígio" que lhe é devido. Somente ao vitorioso é que poderemos
chamar de monarca dos aristocratas. (*)
(*) O tema de haver um
duelo primeiro entre iguais que depois, conforme quem vença ou saia
derrotado, irão se separar para sempre, um como senhor o outro como
escravo, foi exposto por Hegel numa célebre passagem da "Fenomenologia
do Espírito" (IV- A – "A independência e dependência da consciência de
si: Dominação e Escravidão", editado em de 1807). O vitorioso, por sua
vez, dali em diante, como "consciência para si", sempre terá que se
mostrar, exibindo-se frente aos seus pares, os vitoriosos de outros
duelos, "a outra consciência", para merecer deles o "respeito" e o
"reconhecimento".
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De: vylma |
Enviado: 17/08/2009 14:06 |
O modelo dos heróis
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O herói enfrenta a fera
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O que a ética de Homero propõe é o cultivo de um modelo,
a do Homem Perfeito, o Homem de Bronze. Um ser raro que não se guia
pela lei comum nem é obediente ao convencional; é o fora de série que
não somente se sobressai entre os demais como faz ele mesmo as regras
que pretende seguir. Não são os carneiros balindo em rebanho quem o
inspiram, mas sim a solidão altiva do lobo e a bravura o leão. É um
herói que, mesmo sem qualquer amparo dos deuses, deve responder sozinho
aos desafios que surgem e vingar as desonras que por acaso o submetem.
Ele é superior. Recebeu uma herança honrada, de escol, a qual precisa
manter imaculada, sem as manchas da covardia e da deserção.(*)
O
seu esforço era ampliar o nome herdado por meio de uma fama ainda maior
dos que o antecederam. De estatura elevada, de notável vigor físico,
belo, destro com as armas e com os cavalos, varonil, ágil e astuto,
partilhando os despojos de guerra com os amigos, piedoso para com
deuses e implacável para com os inimigos, servia como exemplo a todos.
Devia sempre considerar que era melhor conquistar a celebridade numa só
ação, numa proeza impressionante, ainda que correndo perigos mil, do
que deixar correr o restante da vida sem um brilho, sem um feito, sem
nada. Preferível viver pouco deixando legenda, como foi o caso de
Aquiles, do que muito tempo e não ser ninguém. (**) Todos os demais
cavaleiros deviam segui-lo nessa decisão. As gerações que se sucedem
teriam sempre o seu nome na lembrança, invocando-o em meio à batalha,
inspirando-se nos feitos de outrora. Essa era a verdadeira imortalidade
que um herói poderia almejar. Jamais ele seria apagado da memória dos
seus e na de todos os que o sucederão pelas idades ainda por vir.
(*)
Nietzsche, filósofo contemporneo, iria fazer reviver esse ethos
aristocrático na construção do super-homem, o que estará "acima do bem
e do mal", olhando com desprezo os vencidos e os fracos (ver "Assim
Falou Zaratustra", 1883)
(**) "Quem está impregnado de
estima própria antes quer viver em breve espaço no mais alto gozo que
passar uma longa existência em indolente repouso; prefere viver um ano
só por um fim nobre que uma larga vida por nada; escolhe antes escutar
uma única ação grande e magnífica, a fazer uma série de pequenas
insignificncias."
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De: vylma |
Enviado: 17/08/2009 14:07 |
Homero e a busca da virtude (parte II)
É muito citado entre os estudiosos da ética dos gregos,
o registro feito por Homero do testemunho do velho Nestor, o único
idoso e sábio que acompanha os aqueus no sítio que moviam à cidade de
Tróia, (Canto XI da Ilíada), relatando um encontro que ele
assistira um tanto antes da guerra, no palácio do rei Peleu, o pai de
Aquiles. Na cerimônia em que o filho apresentava seus respeitos para ir
acompanhar Agamêmnon e Menelau na missão de resgatar Helena das mãos
dos troianos, o pai aconselhou-o "a ser sempre o melhor (aristeuein) e estar acima dos demais". Que o jovem buscasse através de façanhas inauditas, vir poder exercer a sua virtude (areté).
Galgar algo que fosse merecedor do reconhecimento dos seus pares para,
com isso, ter assento no reino dos heróis imortais, aqueles que jamais
saíam da lembrança dos homens.
Werner Jaeger, um dos mais eruditos estudiosos da
cultura grega antiga, assegurou que o verdadeiro objetivo da formação
educacional grega, a Paidéia, desde aqueles tempos, foi imitar
essa virtude dos antigos guerreiros. O fato de Atenas bem mais tarde
ter implantado uma democracia não alterou profundamente a concepção de
herói herdada dos tempos da Grécia Arcaica e de domínio aristocrático.
Seus dois maiores filósofos, Platão e Aristóteles, educadores do
Ocidente, por igual continuaram presos à ética arcaica do valentão
nobre e destemido como um ideal a perseguir, sendo que o último a
considerou como um norte aplicável à vida dos filósofos. Muito dela
foi, por igual, absorvido pelos atletas olímpicos que mantiveram as
pistas de corridas e os saltos de obstáculos como um pacífico
substitutivo dos campos de batalha, mantendo ente si os mesmos
princípios estabelecidos pelo Código dos Cavaleiros. Grande parte da
retórica democrática continuou influenciada pelos mesmos ideais éticos,
de fazer com que também na política os cidadãos seguissem as regras da
convivência cavalheiresca, o mesmo acontecendo com os constantes duelos
verbais travados entre os homens cultos contidos nos "Diálogos" de
Platão ou ainda entre os grandes oradores da cidade.
Aristóteles – Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000.
Camps, Victória (org.) Historia de la ética: 1 – de los griegos al renacimiento. Barcelona: Editorial Crítica, 1987.
Finley, M.I. – O mundo de Ulisses. Lisboa: Livraria Martins Fontes, 1972.
Finley, M.I. – A política no Mundo Antigo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985.
Hegel, G.W.F. – Fenomenologia do espírito.Petrópolis: Editora Vozes, 2003.
Homero – A Ilíada. São Paulo: Ediouro Publicações, 1998.
Jaeger, Werner – Paidéia. São Paulo: Editora Herder, s/d.
Rowe, Christopher – Introducción a la ética griega. México: Fondo de Cultura Económica.1979.
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