OUTONO EM PORTUGAL
O outono já chegou - aos arrufos do ventoas folhas num desmaio embalam-se pelo ar...- vão caindo... caindo... uma a uma, em desalentoe uma a uma, lentamente, vão no chão pousar...O céu perdeu o azul - vestiu-se de cinzentoe envolveu na neblina a luz baça do luar...- na alameda onde vou, de momentoa momento, há um gemido de folha a cair e a expirar...O arvoredo transpira as carícias dos ninhos,e o vento a cirandar na curva das estradaseleva o folhareu no espaço em redemoinhos...Há um córrego a levar as folhas secas em bando...- e à aragem que soluça entre as ramas curvadas,parece que o arvoredo em coro está chorando!...J.G. de Araújo Jorge
PRIMAVERA NO BRASIL
Aprimavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acrediteno calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do solvai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturasnaturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar suavida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimosdevem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, —e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer,no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eramverdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozesnovas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de suanação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, —e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh!Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando asamendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhosprocuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primaveradiferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e sóos poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada deflores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados deflores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Masé certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e aterra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algumdia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homensterão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentesdeste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serãooutros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que poracaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora seentendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural,prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhospara o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemospor estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos:lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbiase vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Oscasulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor doperfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudoisto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — porfidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade.Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa -
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