Mas mesmo com o advento da escrita e com a fixação dos mitos e lendas que constituíam a memória histórico-mítica de um povo, grande parte da literatura relacionada com o religioso manteve-se oral. Os mitos - envolvendo os complexos panteões divinos - foram sendo escritos e fixados, a pouco e pouco; mas as fórmulas rituais e os cnticos continuaram no "segredo dos deuses", uma expressão muito adequada ao contexto. No Egipto, por exemplo, compilou-se, ao longo dos séculos e, até, dos milénios, o famoso Livro dos Mortos que dava à alma as instruções e as fórmulas rituais necessárias para atingir sem sobressaltos o Reino dos Mortos. Porém, os rituais sagrados realizados no Templo de Amon eram conhecidos unicamente pelos mais altos sacerdotes, passados de um a outro no mais completo segredo - um segredo que a escrita poderia ter revelado a qualquer escriba! Claro que muitos hinos e orações foram registados, mas os rituais mais sagrados continuavam protegidos pela oralidade.
Por esta razão, os textos religiosos mais comuns são as compilações de mitos cosmogónicos e de lendas. No entanto, essas compilações nem sempre transmitem fielmente as tradições morais. Muitos povos evoluiram no sentido de ser aceite fixar pela escrita os mitos e a cosmogonia que eram a base da sua religião; mas outros recusaram-se a fazê-lo (como foi o caso dos druidas celtas); ou fizeram-no já tardiamente (como foi o caso dos povos nórdicos). Quando a própria classe sacerdotal se propõe a fixar os seus textos sagrados, anteriormente transmitidos oralmente ao longo de gerações de sacerdotes, esses sacerdotes escrevem os mitos reflectindo a sua visão e a da sua sociedade. Quando o fazem num período mais tardio, porém, os textos reflectem frequentemente já uma certa decadência. No caso dos nórdicos, quando as edas, narrando as aventuras de deuses e heróis, foram escritas, já parte da população começava a vergar-se aos esforços cristianizadores dos missionários e, consequentemente, a influenciar os próprios mitos nórdicos. Se os Vikings, e outros povos germnicos, não tivessem tido a iniciativa de fixar a sua antiga tradição oral, ter-lhes-ia acontecido, provavelmente, o mesmo que aconteceu aos celtas.
Como os druidas recusaram fixar pela escrita os seus conhecimentos, as suas tradições começaram a sofrer com a crescente cristianização das Ilhas Britnicas. A pouco e pouco, os mitos e as lendas quer de fundo original celta, quer já com características tipicamente irlandesas ou gaélicas, entre outras, começaram a desaparecer. Por fim, coube aos próprios monges cristãos a tarefa de anotar essas tradições pagãs que, desse modo, foram marcadas pelos preconceitos e "boas intenções" dos improvisados etnógrafos.
Durante todo o século XIX, especialistas europeus e americanos das áreas da antropologia e da etnografia registaram as tradições orais de povos indígenas: ameríndios, africanos, indonésios, aborígenes e polinésios viram as suas tradições religiosas fixadas em papel com o objectivo de provarem a mundivisão civilizada ocidental e os preconceitos dos próprios pesquisadores.
Curiosamente, a associação primitiva do sagrado ao oral acabou por ser suplantada pela nova associação do sagrado à escrita. A palavra, transmitida directamente ou simplesmente inspirada por Deus, passa a necessitar da escrita, que lhe confere um estatuto de imutabilidade - a palavra original mantém-se sem adulterações ou variações - e de imortalidade - a palavra foi fixada e assim será transmitida ao longo de gerações.