Antes de mais, convém descobrir a definição destas duas palavras. As definições abaixo foram retiradas do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.
sagrado - s.m. (do lat. sacratus, part. pas. do v. sacrare, "consagrar".)
1. O que é do domínio religioso. (...)
2. Local vedado a profanações. (...)
sagrado - adj. (do lat. sacratus, part. pas. do v. sacrare, "consagrar".)
1. Que é relativo a um domínio interdito, inviolável e que suscita a veneração por oposição a profano; que se refere à divindade ou ao seu culto. (...)
2. Que foi objecto de consagração. (...)
3. Diz-se dos sentimentos inspirados pelo que pertence ao domínio do religioso ou do divino.
4. Que inspira ou deve inspirar profundo respeito, veneração absoluta. (...)
5. Que não pode ser infringido ou violado. (...)
6. Que não se pode mexer ou tocar. (...)
7. Que não se pode deixar de cumprir ou respeitar.(...)
profano - s. (do lat. profanus.)
1. Pessoa que não pertence à classe eclesiástica ou que é estranha às coisas da religião. (...)
2. Pessoa que não pertence a determinada seita, classe, associação... (...)
3. Pessoa não iniciada nos conhecimentos de uma arte, ciência... (...)
profano - adj. (do lat. profanus.)
1. Rel. Que é estranho às coisas sagradas; que não pertence à religião. (...)
2. Que é contrário ao respeito que é devido à religião, às coisas sagradas. (...)
Numa primeira análise podemos fazer notar que, enquanto o sagrado se define como associado à religião, ao divino, ao respeito e veneração, o profano define-se em relação ao sagrado, mais especificamente como oposto ao sagrado. Temos portanto uma dicotomia sagrado vs. profano. Mas o que são o sagrado e o profano?
O sagrado está relacionado com o divino: um objecto sagrado não é um objecto divino mas um objecto que permite a ligação com o divino. Estando associado à divindade, reflecte os sentimentos que a própria divindade evoca: terror e fascínio. A divindade a que o sagrado permite uma ligação é uma força que tanto vence e ajuda a vencer, como fracassa e faz fracassar; é um poder que não se pode definir, que está em todo o lado mas que não se pode localizar em lado nenhum. Esta força sobre-natural e incontrolável, quanto muito aplacada e propiciada através de sacrifícios, é, ao fim e ao cabo, o desconhecido, pois apenas se sabe que é poderosa para além da imaginação. É esse desconhecido que atrai e repulsa, que fascina e aterroriza: porque o seu poder é tão desejado como temido, os seus favores tão ambicionados como a sua fúria é indesejada.
O profano é um assunto mais complicado. Se seguirmos a lógica, então tudo o que não está ligado à religião é profano. Mas, em certas comunidades, o sagrado está presente em todo o lado: tudo o que faz parte da existência é sagrado. Nestes casos, onde o sagrado domina, onde poderemos encontrar o profano? A resposta é simples, não o encontramos.
Embora a sociedade ocidental encare a realidade como uma dicotomia (real vs. irreal; homem vs. mulher; civilizado vs. primitivo; Bem vs. Mal; Deus vs. Diabo; sagrado vs. profano; positivo vs. negativo; etc.), a realidade não é definível em dicotomias. E reparem na lista de dicotomias que eu apresentei na frase anterior. Já repararam que (se forem ocidentais) vão ter a tendência para ver um dos lados da dicotomia como positivo e o outro negativo? Uma das razões por que a submissão da mulher se mantém enraízada é precisamente esta tendência de demonizar um dos pares em que organizamos o mundo. Se, no par Homem-Mulher, o Homem é algo positivo, então a mulher terá de ser algo negativo (e vice-versa para as teorias feministas). Se, em activo-passivo, o activo é positivo, o passivo será negativo. É por esta razão que o pensamento oriental é por vezes difícil de seguir: o Yin e o Yiang, sendo pares, não são vistos como positivo e negativo, como uma parte a manter e outra a desaparecer, mas como complementos essenciais ao equilíbrio. O próprio positivo é negativo se não estiver equilibrado!
Portanto, o sagrado é o que realmente nos interessa. Mas o sagrado não existe sozinho: o homem desenvolveu rituais, cerimónias e tradições que definem os comportamentos a ter e a evitar quando em presença do sagrado. Essas regras são a religião, que gere o sagrado.