Glaciares em latitudes médias
Estes glaciares situam-se entre o Trópico de Cncer e o Círculo Polar Ártico ou entre o Trópico de Capricórnio e o Círculo Polar Antártico. Estas duas regiões apresentam gelo glaciar em glaciares de montanha, glaciares de vale e até mesmo calotas de gelo mais pequenas, geralmente situados em regiões montanhosas mais elevadas. Todos estes glaciares se encontram em cadeias montanhosas, destacando-se os Himalaias, os Alpes, as Montanhas Rochosas, as cordilheiras da costa norte-americana do Pacífico, os Andes na América do Sul e as montanhas da ilha-nação Nova Zelndia. Nestas latitudes os glaciares são mais frequentes e tendem a ser maiores quanto mais próximos se encontrarem das regiões polares. Estes glaciares são os mais estudados ao longo dos últimos 150 anos. Tal como no caso dos glaciares situados na zona tropical, praticamente todos os glaciares das latitudes médias encontram-se num estado de balanço de massa negativo, estando em recuo.
Término do glaciar Bossons, França, 2007
O World Glacier Monitoring Service (WGMS) elabora, a cada 5 anos, relatórios sobre as mudanças no ponto terminal dos glaciares, isto é, na sua extremidade menos elevada.[24] No seu relatório de 1995-2000, foram registadas variações no ponto terminal de vários glaciares dos Alpes. No período de cinco anos entre 1995 e 2000, 103 dos 110 glaciares examinados na Suíça, 95 dos 99 na Áustria, a totalidade de 69 na Itália e 6 na França, encontravam-se em recuo. Os glaciares franceses sofreram um recuo abrupto no período 1942-53 seguido de avanços até 1980, e logo novo recuo a partir de 1982. Como exemplo, desde 1870 o glaciar Argentiére e o glaciar do Monte Branco recuaram 1150 e 1400 m respectivamente. O maior glaciar francês, o Mer de Glace, com 11 km de extensão e 400 m de espessura, perdeu 8.3% do seu comprimento (ou 1 km), em 130 anos e diminui a sua espessura ao longo da secção média em 27% (ou 150 m) desde 1907. O glaciar Bossons em Chamonix, França, recuou 1200 m relativamente à sua extensão em princípios do século XX. Em 2005, dos 91 glaciares suiços estudados, 84 recuaram relativamente à posição dos seus pontos terminais em 2004 e os restantes 7 não apresentavam alterações.[25]
Outros investigadores descobriram que os glaciares alpinos parecem estar a recuar a um ritmo mais rápido que o de há algumas décadas. Em 2005, dos 91 glaciares observados, 84 estavam em recuo e nenhum em avanço. O glaciar Trift, recuou mais de 500 m em apenas 3 anos (2003 a 2005), o que equivale a 10% da sua extensão total. O glaciar de Aletsch, o maior glaciar da Suíça, recuou 2600 m desde 1880. Esta velocidade de recuo também aumentou desde 1980, com 30% (ou 800 m) do recuo total a ocorrer nos últimos 20% do período de tempo considerado.[26] De igual modo, dos glaciares situados nos Alpes italianos, apenas um terço se encontravam em recuo em 1980, enquanto que em 1999 os glaciares em recuo constituíam 89% do total. Os investigadores descobriram que entre 2004 e 2005 todos os glaciares nos Alpes italianos se encontravam em recuo.[27] Fotografias repetidas ao longo do tempo em vários pontos dos Alpes, são uma evidência clara de que os glaciares desta região recuaram significativamente nas últimas décadas .[28] O glaciar Morteratsch, na Suíça, é um exemplo chave. As medições anuais da variação do comprimento foram iniciadas em 1878. O recuo total desde 1878 até 1998 é de 2 km com uma velocidade média de recuo aproximadamente igual a 17 m/ano. Este valor médio de longo prazo foi notoriamente ultrapassado em anos recentes com 30 m/ano para o período 1999-2005.[26]
Um dos maiores motivos de precupação, e que no passado teve grande impacto em termos de vidas e propriedade destruídas, são as inundações provocadas pela cedência das paredes de lagos glaciares. Os glaciares juntam rochas e solo, que foram removidos das encostas das montanhas ao longo do tempo, na sua extremidade terminal. Estas pilhas de materiais muitas vezes formam barragens que retêm atrás de si água, formando lagos glaciares à medida que os glaciares derretem e recuam desde as suas extensões máximas. Estas morenas terminais são muitas vezes instáveis, conhecendo-se casos em que ocorreram roturas devido à grande quantidade de água retida ou devido a deslocamentos provocados por terramotos, deslizamentos ou avalanchas. Se um glaciar apresenta um ciclo de derretimento rápido durante os meses mais quentes do ano, a morena terminal pode não ser suficientemente resistente para continuar a reter a água acumulada atrás dela, conduzindo a uma inundação maciça e localizada. O risco de ocorrência deste tipo de inundações é crescente devido à criação e expansão de lagos glaciares como resultado do recuo dos glaciares. Inundações passadas foram mortíferas e causaram grandes danos materiais. Vilas e aldeias situadas em vales estreitos e escarpados, situados a jusante de lagos glaciares, são aquelas que correm maior risco. Em 1892, uma tal inundação libertou cerca de 200,000 m³ de água do lago do glaciar de Tête Rousse, provocando a morte de 200 pessoas na localidade francesa de Saint Gervais. Sabe-se que as inundações deste tipo podem ocorrer em qualquer região do mundo onde existam glaciares. Espera-se que a continuação do recuo dos glaciares crie e expanda lagos glaciares, aumentando assim o risco de futuras inundações.
Glaciar Briksdal, Noruega, 2006
Apesar de os glaciares dos Alpes receberem maior atenção dos glaciólogos que os de outras regiões da Europa, as várias investigações efectuadas indicam que um pouco por toda a Europa os glaciares se encontram presentemente em recuo. Nos montes Kebnekaise, no norte da Suécia, um estudo de 16 glaciares efectuado entre 1990 e 2001, concluíu que 14 se encontravam em recuo, um em avanço e um encontrava-se estável.[29] Durante o século XX, os glaciares da Noruega recuaram em termos globais, apesar da ocorrência de breves períodos de avanço em 1910, 1925 e na década de 1990. Nesta última, 11 dos 25 glaciares noruegueses observados avançaram devido a vários invernos consecutivos com precipitação acima da média. Porém, após vários anos consecutivos com invernos com precipitação reduzida desde 2000, e com vários verões com recordes de temperaturas elevadas em 2002 e 2003, os glaciares da Noruega diminuíram significativamente a sua extensão. Em 2005, apenas 1 dos 25 glaciares monitorizados na Noruega, se encontrava em avanço, dois estavam estacionários e 22 em recuo. O glaciar norueguês Enga recuou 179 m desde 1999, enquanto que os glaciares Brenndals e Rembesdalsskåka recuaram 116 e 206 m respectivamente, desde 2000. O glaciar Briksdal recuou 96 m só em 2004, o maior recuo num só ano desde que as observações deste glaciar se iniciaram em 1900. Na totalidade, o Briksdal recuou 176 m entre 1999 e 2005.[30]
Esta imagem da
NASA mostra a formação de numerosos lagos glaciares nos pontos terminais de glaciares (manchas azuladas) em recuo no
Butão (
Himalaias).
Os Himalaias e outras cadeias montanhosas da Ásia Central apresentam grandes regiões glaciares. Estes glaciares fornecem água que é vital para países áridos como a Mongólia, China ocidental, Paquistão e Afeganistão. Tal como sucede com outros glaciares por todo o mundo, os glaciares asiáticos atravessam um período de declínio rápido da sua massa. A perda destes glaciares produziria um tremendo impacto no ecossistema desta região.
Um relatório elaborado pelo WWF, concluiu que 67% dos glaciares dos Himalaias estão em recuo. O exame de 612 glaciares na China entre 1950 e 1970, mostra que 53% dos glaciares estudados estão em recuo. Depois de 1990, as medições destes glaciares mostram que 95% deles estão em recuo, indicando que o recuo destes glaciares se tornava mais generalizado.[31] Os glaciares na região do Monte Everest, nos Himalaias, encontram-se todos em estado de recuo. O glaciar Khumbu, que é uma das principais rotas de acesso à base do Monte Everest, recuou 5 km desde 1953. O glaciar Rongbuk, que drena a face norte do Everest para o Tibete, está em recuo ao ritmo de 20 m por ano. Na Índia, o glaciar Gangotri, que é uma fonte principal da água do rio Ganges, recuou 34 m por ano entre 1970 e 1996 e 30 m por ano desde o ano 2000. Com o recuo dos glaciares nos Himalaias, foram criados vários lagos glaciares. Fonte de crescente preocupação são as possíveis inundações causadas pela rotura das morenas terminais que retêm as águas destes lagos glaciares. Investigadores estimam que cerca de 20 lagos no Nepal e 24 no Butão constituem um perigo para populações humanas em caso de ocorrerem roturas. Um dos lagos identificado como potencialmente perigoso é o Raphstreng Tsho no Butão, com 1.6 km de comprimento, 0.96 km de largura e 80 m de profundidade em 1986. Em 1995 o lago havia-se expandido para 1.94 km de comprimento, 1.13 km de largura e 107 m de profundidade. Em 1994, uma inundação provocada por uma rotura no Luggye Tsho, um lago glaciar adjacente ao Raphstreng Tsho, matou 23 pessoas.[32]
Nas montanhas de Ak-Shirak no Quirguistão, os glaciares sofreram uma pequena perda entre 1943 e 1977 e uma perda acelerada de 20% da sua massa entre 1977 e 2001.[33] Nas montanhas de Tian Shan, nas fronteiras do Quirguistão com a China e Cazaquistão, os estudos efectuados na sua porção norte mostram que os glaciares que fornecem água a esta região árida perderam cerca de 2 km³ de gelo por ano entre 1955 e 2000. Este estudo da Universidade de Oxford relatou ainda que em média, 1.28% do volume destes glaciares tinha sido perdido entre 1974 e 1990.[34]
A sul das Tian Shan, a cordilheira Pamir situada sobretudo no Tadjiquistão tem milhares de glaciares, encontrando-se todos em recuo. Durante o século XX, os glaciares do Tadjiquistão perderam 20 km³ de gelo. O glaciar Fedchenko, com os seus 77 km de extensão, o maior do Tadjiquistão e o mais longo dos glaciares não polares da Terra, perdeu 1.4% do seu comprimento (ou 1 km), 2 km³ do seu volume e 11 km² de área glaciar durante o século XX. Similarmente, o vizinho glaciar Skogatch perdeu 8% da sua massa total entre 1969 e 1986. O Tadjiquistão e os países vizinhos da cordilheira de Pamir são altamente dependentes do escoamento das águas glaciares, pois estas asseguram o caudal dos rios durante as secas e estações secas que ocorrem todos os anos. A continuação do desaparecimento do gelo glaciar resultará num aumento do escoamento de águas dos glaciares a curto prazo, seguido por um decréscimo, a longo prazo, da água derretida nos glaciares que flui para os rios e ribeiros.[35]
Estes glaciares na Nova Zelndia têm mantido um recuo rápido durante os últimos anos. Repare-se nos lagos terminais, o recuo do gelo branco (gelo livre da cobertura das morenas), e as morenas mais altas devido ao adelgaçamento do gelo.
Na Nova Zelndia, os glaciares de montanha encontram-se em recuo generalizado desde 1890, com uma aceleração do recuo desde 1920. A maioria dos glaciares adelgaçaram de forma mensurável e perderam extensão e as zonas de acumulação de neve passaram a situar-se a altitudes cada vez maiores com o decorrer do século XX. Durante o período entre 1971 e 1975 o glaciar Ivory recuou 30 m no seu ponto terminal tendo ocorrido simultaneamente a perda de 26% da sua superfície. Desde 1980, numerosos pequenos lagos glaciares formaram-se atrás das novas morenas terminais de vários destes glaciares. Glaciares como o Classen, Godley e Douglas apresentam lagos glaciares recentes abaixo dos seus pontos terminais, devido ao recuo ocorrido nos últimos 20 anos. Imagens de satélite indicam que estes lagos continuam a expandir-se.
Vários glaciares, como os muito visitados glaciares Fox e Franz Josef na Nova Zelndia, avançaram periodicamente, sobretudo na década de 1990, mas a escala destes avanços é pequena quando comparada com o recuo ocorrido ao longo do século XX. Estes grandes glaciares, de fluxo rápido e situados em encostas muito inclinadas têm-se mostrado muito reactivos a pequenas alterações dos seus balanços de massa. Alguns anos de condições favoráveis ao avanço dos glaciares, tais como maior queda de neve e temperaturas mais baixas, são rapidamente reflectidas num avanço correspondente, seguido por um recuo igualmente rápido quando essas condições favoráveis deixam de existir.[36] Os glaciares que se encontram em avanço em alguns locais da Nova Zelndia encontram-se neste estado devido a uma alteração climática temporária associada ao fenómeno El Niño, que trouxe mais precipitação e verões mais frescos e nublados desde 2002.[37]